domingo, 29 de maio de 2011

Naturalista alagoano encanta o mundo

Ladislau Netto descobriu novos gêneros de flores na Nova Zelândia e impressionou Paris com sua tese sobre a cerâmica da Ilha de Marajó

Wellington Santos e Mário Lima


Ladislau Netto, 1834-1864
“Apaixonara-se o fiscal real por essas matas luxuriosas (de Alagoas), de rica vegetação, que anos depois, seduziram um sábio naturalista, o alagoano Ladislau Netto”. O trecho do livro A Utopia Armada, do historiador alagoano Dirceu Lindoso, é uma bela apresentação do naturalista, botânico e etnólogo Ladislau Netto (1834-1864), o mais ilustre dos desconhecidos entre seus conterrâneos. 

Mas quem conhece a história de Ladislau surpreende-se pela sua grandeza. Ele talvez seja a personalidade alagoana mais graduada e reconhecida na sua atividade. Doutor em Ciências Naturais pela Sorbonne de Paris, membro das sociedades botânicas de Washington (EUA), França, Portugal e Luxemburgo e diretor do Museu Nacional durante o Império.

Quem conheceu bem a história de Ladislau Neto foi seu biógrafo, o professor, médico e historiador Abelardo Duarte, que escreveu o livro, hoje fora de catálogo, Ladislau Neto: 1838-1950, publicado em 1950 pela Imprensa Oficial de Alagoas.   

O salto de qualidade e a intensidade dos estudos fizeram o alagoano Ladislau Netto ir parar na Sociedade Botânica de Paris, espécie de Sorbonne das plantas.

“A França foi palco do seu aprendizado, de sua concentrada atividade científica e do reconhecimento de seu valor”, diz Abelardo Duarte, em um trecho de seu livro, que revela ainda serem do próprio naturalista os desenhos das plantas que ilustravam seus livros.

Nascido em Maceió, este alagoano ilustre não se deixou subjugar nem mesmo pelo rigoroso desejo paterno. À revelia da família, deixou Alagoas e partiu para o Rio de Janeiro, para fazer parte alguns anos depois do Conselho do Imperador, que custeou seus estudos na Europa.

“O pai queria que ele seguisse a todo custo a carreira de comerciante na cidade, mas em 1854, ainda na adolescência e com espírito inquietante, Ladislau partiu em um navio em direção ao Rio de Janeiro para estudar”, conta a antropóloga e professora da Universidade Federal de Alagoas Nádia Fernandes de Amorim, também autora de um livro baseado na biografia de Ladislau.

Estabilizado no Rio, não demorou muito para ingressar, em 1857, na Imperial Academia de Belas Artes e “mergulhar” de corpo e alma naquele que seria o seu destino. Ladislau assumiu o posto de desenhista e cartógrafo da Comissão Astronômica e Hidrográfica de Estudos e Exploração do litoral de Pernambuco.

Nádia Amorim é autora de biografia sobre Ladislau Netto
A professora Nádia Amorim assinala também que seu “batismo” como naturalista aconteceu na sua viagem de exploração do alto Rio São Francisco, no trecho de Minas Gerais, auxiliando o cientista francês Emmanuel Liais.

“Mas o olhar de Ladislau na sua época era mais enciclopédico, mais geral. Hoje quem lida com meio ambiente tem uma visão mais de especialista, assim como os médicos que se especializam em determinada área”, completa a professora Nádia.

Simpatia do imperador

Com a botânica e arqueologia já devidamente inseridas na vida de Ladislau, surgiram as primeiras publicações do jovem alagoano. Daí, para aparecerem artigos em revistas científicas da Europa, não demorou.

Bem recebido pela crítica, a desenvoltura do jovem com o mundo da botânica e da arqueologia despertou o interesse de ninguém menos que o imperador Dom Pedro II, que o enviou à Europa para estudar e se aperfeiçoar.

De volta ao Brasil, já com o título de Doutor em Ciências Naturais pela conceituada Sorbonne, Dom Pedro II convida Ladislau Netto para integrar os quadros do Museu Nacional na secção de Botânica.

Com o falecimento do então diretor, Freire Alemão, Ladislau assume a direção-geral do Museu Nacional de História Natural, onde permanece por 27 anos, em seu período mais longo e fecundo.

De acordo com tese de doutorado de Johnni Langer, da Universidade Federal do Paraná, com o título Ruínas e Mitos: A arqueologia no Brasil Imperial, UFPR 2001, Ladislau Netto protagonizou “os últimos grandes momentos da arqueologia durante o império”.

De acordo com Langer, o naturalista alagoano fez conferências brilhantes em Berlim e Paris sobre os vestígios da ilha de Marajó, no Pará, principalmente quanto a sua secular cerâmica. 

“Foi um grande sucesso de visitas, recebendo muitos elogios dos jornais franceses, que também enalteceram o trabalho de Neto (Schwarcz, 1998, p. 405). Aos olhos do ilustre cientista carioca (sic), não poderia ter havido melhor destino aos objetos brasílicos: fazia quase 20 anos que defendia a vinculação dos incas com os antigos habitantes das florestas brasileiras. Nada mais apropriado do que unificar as duas culturas em um único edifício, durante o grande evento francês”.

Tributo a Ladislau Netto

Uma das mais belas homenagens a Ladislau Netto em sua terra natal ocorreu no ano de 2003. Intitulado “Nettea”, que remete a um grupo de plantas da Nova Zelândia descoberta por ele, a natureza inspirada na vida dedicada ao ilustre alagoano virou peça, encenada no Teatro Deodoro.

O espetáculo foi coreografado e coordenado pela bailarina Emília Clark. A viagem cênica em homenagem a Ladislau passeia por margaridas e rosas; a visão panorâmica das papoulas; a fauna brasileira; a organização e o sentimento sublime das abelhas; das borboletas; o ciclo das expedições científicas no Brasil Império, entre outros temas. 

“Nettea é um roteiro cujo ‘passeio’ simboliza o legado deixado por esse grande alagoano, brasileiro e cidadão do mundo. Uma verdadeira homenagem a ele e à natureza”, destaca o responsável pela produção da peça, o médico e pesquisador da vida de Ladislau Netto, Fernando Gomes.